Os deuses

Félix Barros
1 min readMay 6, 2024

--

Penso nos deuses com pena. Pairam sozinhos no sobrenatural, no alto de um lugar que imaginamos com a nossa cabecinha terrena e mediana.

Os deuses dominam as forças que movem o universo, são os que dedilham o som das cachoeiras e rasgam o céu em tons de laranja e rosado durante o por do sol.

Mas que graça tem a onipresença, se há tanta graça nos lugares que não habitamos? Que graça tem a onisciência senão no mistério de nada saber?

Há muito se desenha sobre eles em todas as formas, linhas e línguas. Os deuses são os únicos que carregam a certeza nas mãos como taças de vinho tinto. Mas do que adianta a embriaguez na solidão? O inatingível é a vulnerabilidade menos interessante.

Os deuses jamais serão atingidos pelas flechas de uma paixão avassaladora. Mas nós, os humanos medíocres, sim. Talvez por isso sejam ressentidos conosco. Afinal, como pode a criatura experimentar tão pouco e, ainda assim, desfrutar da melhor parte do banquete?

Os deuses erraram, coitados. Tornaram-se menores do que aquilo que colocaram no mundo. Porque se soubessem que o verdadeiro extraordinário habita no que se apenas imagina do horizonte, nunca teriam deixado de criar a si mesmos como frágeis.

É assim que eles convivem com a tristeza da perfeição, enquanto nós curamos o choro com um abraço ou uma cerveja.

Pobres deuses. Espero que consigam suportar o peso da infinitude.

--

--